PA(RA)RIR (Texto sobre o documentário Renascimento do Parto)

Produzi este texto para participar de uma mesa de discussão sobre o documentário Renascimento do Parto em 2013, logo após a exibição do mesmo no cinema, em Uberlândia.

PA(RA)RIR

Ao ser convidada para falar sobre este filme, busquei um texto meu publicado em 2002 que tinha o seguinte Título IMAGEM SIMULACRO: PRÓTESE SUBSTITUTIVA DO REAL.
Venho pensando sobre as imagens de parto desde antes de parir, logo que comecei a me contaminar com textos e imagens de parto em 2008/2009, com intenções pessoais. Agora, com intenções acadêmicas, estou tentando levar algumas reflexões sobre as imagens de parto para o universo da pesquisa.
Preciso da imagem para me convencer de algo. e voltando ao texto escrito em 2002 sobre Imagem simulacro, falo justamente da substituição que fazemos do real pela imagem. A partir de reflexões de dois teóricos Jean Baudrillard e Umberto Eco, desenvolvo a hipótese de que estamos vivendo a partir de imagens simulacro que funcionam como próteses substitutivas do real. Mas o que são próteses substitutivas? É algo que veio para repor algo que foi perdido, uma coisa que exercia uma função e que se perdeu e a substituímos por outra coisa com função semelhante, como uma perna mecânica por exemplo.
A imagem como prótese substitutiva é pensada como a imagem que substitui nossa relação com a realidade, pois esta realidade não existe mais. Imersa em reflexões sobre parto, não posso deixar de pensar que as imagens de parto são um exemplo magnífico deste tipo de prótese imagética. E como diz Michel Odent, no filme aqui em discussão, o número de partos sem ocitocina ou cirurgia no mundo se aproxima de zero. O que me leva a crer que parir sem intervenção está em extinção. Como ter contato com este “real” que é parir se ele está sumindo? Como acreditar que é possível parir, sem ver, sem sentir, sem ouvir alguém que pariu?
E a minha resposta aqui é: PELA IMAGEM.
E será coincidência que estas questões sobre o parto veem a tona justamente nesta época de compartilhamento público de imagens íntimas na internet?
Vemos vídeos de parto, vemos fotos de parto, vemos um filme sobre parto. O “real” está substituído pela imagem.
Estamos diante de uma imagem simulacro. Imagem que substitui o real que não mais existia. Continuamos sem ter o contato direto com o parto. O contato foi substituído pela imagem simulacro da fotografia e do vídeo.

A imagem esta cheia de discurso, não é isenta sobre o mundo. Está cheia de ideologia. A fotografia se traveste, parece tanto com o real que me engana. PENSO que vejo um parto, mas estou vendo uma imagem, uma representação do parto.
Mas então, como são representados nas imagens do documentário a cesariana e o parto humanizado?
Rapidamente posso levantar algumas questões pela análise das imagens apresentadas no filme.
As imagens da Cesárea são:
1) Frias. O uso dos tons esverdeados, azulados, acinzentados. Cores geralmente ligadas a imagens tristes e frias.
2) Sem nitidez. Não conseguimos identificar a maioria das pessoas filmadas, elas não tem rostos, estão sem foco ou foram desfocadas propositalmente.
3) Explícitas. Vemos cortes, retiradas dos bebês, close na incisão da barriga, organismos abertos, sangue o bisturi cortando pele.
4) Sem toque pele a pela. Todos os contatos humanos têm panos ou borracha entre eles.
5) Pouca ou nenhuma expressão facial.
As imagens do parto humanizado são:
1) Quentes. Uso de tons alaranjados, amarelados e avermelhados. Escala de cor do calor, aconchego.
2) Nítidas. Vemos rostos e os identificamos, não estão borrados, tem foco, poucas partes das imagens estão borradas.
3) Implícitas. Não há imagens da vagina se abrindo, do bebê saindo, da pele se esticando. O ponto de vista da câmera é sempre superior e não frontal, em relação ao nascimento do bebê.
4) Muito toque. Vemos mãos tocando corpos, corpos se abraçando, se acariciando.
5) Expressões felizes, contentes de satisfação.
Levanto então as questões a seguir a partir das reflexões sobre as imagens:
O filme é manipulador?
O filme é ideológico?
O filme é militante?
O filme é ruim?
O filme é importante?
O filme é muito importante, importante porque milita, isto é defende uma causa, de uma minoria. Os partos sem intervenção são minoria como mostram os dados no Brasil. E as minorias PRECISAM de ajuda para lutar e se impor em qualquer sistema de poder. Para poder sobreviver e crescer no Brasil o grupo de “parideiros” tem que conseguir ter influência. O filme é uma das formas de fazer convencer sobre a importância de parir. Neste sentido ele é sim, manipulador, ideológico e militante. Mas também BOM e VERDADEIRO.

Precisamos da imagem para que ela seja o elo perdido com o parto, para que parir pareça possível e seja possível.
Parir para RIR!

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